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CACHORRO É MELHOR QUE GENTE

Este blog é para aquelas pessoas que como eu são apaixonadas por cachorros e conhecem o amor e lealdade incondicionais desses animais.

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sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Afeto que cura

Revista Mente & Cérebro
ed. 169 - Fevereiro 2007

Os animais sempre estiveram próximo do homem participando de atividades de caça, tração, locomoção, pastoreio, guarda, companhia e tantas outras. Embora sejam predadores, na maior parte das vezes são presas. Ao longo da história da humanidade, a domesticação de algumas espécies transformou tanto os animais quanto os hábitos e o estilo de vida das pessoas.

Desse modo, a vinculação humana com bichos de estimação acrescentou um novo tipo de relação com complexidade e características próprias. Povos de diferentes culturas mantêm vínculos afetivos com essas espécies, sugerindo a existência de denominadores comuns.

Nas últimas décadas, porém, surgiu um dado novo: o crescente interesse científico pelo estudo da relação homem-animal, tendo em vista seu potencial terapêutico. As modalidades de intervenção com a participação de animais abrem, para os profissionais da saúde e da educação, perspectivas de uso de recursos terapêuticos auxiliares.

CONFIANÇA

O primeiro relato da participação de animais em tratamento de saúde na sociedade ocidental contemporânea remonta ao final do século XVIII, na Inglaterra. O Retiro de York - instituição psiquiátrica que empregava métodos terapêuticos considerados mais humanos para a época — mantinha coelhos, gaivotas, falcões e aves domésticas nos pátios e jardins freqüentados pelos pacientes. Essas criaturas eram geralmente muito familiares aos pacientes e acredita-se que, muito mais que um prazer inocente, despertavam sentimentos de sociabilidade e benevolência nos internos.

No século XIX houve um grande crescimento da participação de animais nas instituições mentais da Inglaterra e demais países europeus e americanos. Quando os primeiros textos científicos começaram a ser publicados, tal prática já não era tão rara. Em 1944, James Bossard escreveu um artigo sobre o papel dos animais domésticos na família, em especial para crianças pequenas. 

Mas foi a partir da década de 60 que o psicólogo americano Boris M. Levinson iniciou uma série de estudos de situações clínicas nas quais a presença do animal era fundamental no processo terapêutico. Um cachorro, por exemplo, poderia satisfazer a necessidade humana de lealdade, confiança e obediência. A relação da criança com o animal permite nuances num nível intermediário, diferentes das estabelecidas com pessoas e objetos inanimados. 

Ainda nos primeiros anos é possível perceber que brinquedos não podem dividir sentimentos, pois não são vivos, não crescem nem respondem. Segundo Levinson, “diferentemente da relação que estabelece com a boneca, a criança pode conceber o animal como parte de si mesma, de sua família, capaz de passar pelas mesmas experiências que vive”. Esse relacionamento oferece aos pequenos a possibilidade de se expressar mais livremente.

CUIDAR DO OUTRO

Resultado de imagem para amor de cãoPosteriormente aos estudos de Levinson, merecem destaque as pesquisas dos psiquiatras Samuel e Elizabeth Corson. Na década de 80, eles usaram cães na psicoterapia em instituições psiquiátricas. A experiência foi realizada com 50 pacientes com alto grau de introversão que não respondiam ao tratamento convencional e relutavam em estabelecer contatos. Apenas três deles não apresentaram melhoras em seu estado clínico. 

Os demais, gradualmente, desenvolveram desejo de independência, sentimentos de auto- estima e senso de responsabilidade. De acordo com os pesquisadores, esses aspectos ficavam mais pronunciados à medida que os internos assumiam os cuidados com os cães. Segundo os psiquiatras, cachorros reúnem características que facilitam a interação, com pacientes: prontidão em oferecer afeto e contato táctil aliados à confiança que despertam. Para a maioria das pessoas, o resultado é uma reação empática, investimento afetivo e sentimento de responsabilidade em relação ao animal.

A comunicação não-verbal, no entender desses autores, pode ser considerada ferramenta terapêutica dessa relação entre pessoas e bichos. Eles observam que as palavras ditas pelos humanos muitas vezes não condizem com o que a expressão corporal revela. E, de alguma forma, ainda que inconscientemente, essa mensagem dúbia é captada — o que influi de forma negativa nas relações, inclusive entre terapeuta e paciente. 

Já a aproximação entre pessoas e animais, por outro lado, ocorre de maneira direta e sem interferências de racionalização e intenções implícitas. Com isso, favorece a inclusão do bicho no universo de fantasias infantis. A vivência propicia maior confiança em si e no ambiente e a associação dessa proximidade com experiências prazerosas. Analisando a prática clínica desses autores, podemos supor que, para eles, o animal pode atuar como “recurso de contato” com o paciente.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Estudos recentes indicam que os animais interagem com as pessoas não a partir das intenções ou sentimentos delas: o bicho responde ao comportamento humano. As pessoas, por sua vez, reagem às ações dos animais atribuindo-lhes sentido com base em seu próprio referencial. 

Como não há troca de palavras, a especificidade da relação, especialmente com cães, ocorre por meio de gestos e movimentos. Na ausência da dimensão verbal, é possível criar uma forma de comunicação em que o ser humano pode livremente atribuir significados à ação do animal, permitindo maior liberdade na expressão de sentimentos.

Há vários mitos a respeito de meninos selvagens cuidados por animais — como as lendas de e Remo, fundadores de Roma, a história de Tarzã, o rei dos macacos e a de Mogli, o menino lobo. O caso de Victor, conhecido como “o selvagem de Aveyron”. é verídico. A história foi contada no cinema por François Truffaut, em 1969. Existem registros de que ele foi encontrado solitário e já adolescente nos bosques do sul da França, em 1799. 

Victor cresceu na mata, sem contato humano, após ter se perdido de sua família — quando era muito pequeno. Intrigado, um pesquisador assumiu sua educação e tentou ensiná-lo a usar a linguagem. Entretanto, o menino encontrava-se num período de desenvolvimento psíquico primitivo, longe da diferenciação entre eu e não-eu.


OLHOS DE MÃE

Diferentes linhas da psicanálise e da psicologia enfatizam a importância das relações humanas para a constituição do indivíduo. Para Winnicott, o ser humano desenvolve-se da dependência absoluta do ambiente rumo à independência, num complexo processo de amadurecimento no qual o potencial herdado e as provisões do ambiente estão em constante interação.

O educador brasileiro Rubem Alves ilustra bem essa concepção quando diz que “entre os bichos a maternidade é coisa de útero. (...) Já seres humanos são gerados nos olhos das mães”. Portanto, quando pensamos nas relações entre pessoas e animais é importante ter em mente que é o ambiente humano que contribui para o desenvolvimento do psiquismo e não a relação com animais de forma isolada.

Ao considerarmos as intervenções com a presença de bichos é imprescindível levar em conta o contexto no qual se desenrolam tais interações. Imaginemos uma criança brincando com um cachorro adestrado, correndo e pulando. Ela pode estar experimentando um momento de criatividade que inclui o uso do corpo. Caso um adulto interfira na situação, mostrando que o cão obedece aos comandos sentar e ficar parado, no intuito de indicar que a criança também deveria ser obediência a experiência enriquecedora é interrompida, podendo levar a uma submissão em relação ao ambiente.

Segurar um cachorro pela coleira, virar para a direita ou para a esquerda, andar em linha reta ou na diagonal, jogar bolas de diferentes cores para que ele pegue, conversar sobre as partes de seu corpo (orelhas, patas, focinho etc.), escová-lo, correr por um circuito com obstáculos, acarinhá-lo... 

Essas situações e tantas outras abrem as possibilidades de que o contato com o animal seja um recurso terapêutico em diferentes áreas de atuação: fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicopedagogia e psicologia. O fato é que o contato com animais pode ser ponto de partida para o desenvolvimento de diferentes habilidades, tais como aprendizagem de conceitos, estimulação da linguagem, motricidade e expressão de emoções.

No caso de Suzana, uma garota de 16 anos com paralisia cerebral tipo tetraparesia (com grande dificuldade de controle motor e rigidez muscular), isso se mostrou de maneira clara. Ela começou a jogar bolinha para uma cadela mostrando muita dificuldade para abrir e fechar a mão. Passado um tempo brincando, o mesmo movimento ficou muito mais fácil. 

Sua fisioterapeuta comentou que, em consultório, para fazer o mesmo movimento ela reclamava e até chorava e ali, brincando com a cachorrinha, abria e fechava a mão sem perceber. Ela estava se divertindo. Ou seja: o movimento ganhou um sentido que envolvia a afetividade e o interesse pelo animal.

Da mesma forma, um fonoaudiólogo pode partir do interesse de seu paciente por um animal para trabalhar a estimulação da linguagem e obter outros ganhos. E um terapeuta ocupacional, utilizar como recurso o controle da motricidade ao incentivar o paciente a escovar o cachorro ou segurá-lo numa para desenvolver maior capacidade de percepção por meio do toque no animal. 

Na psicopedagogia, aspectos relacionados à aquisição de conceitos como cor, tamanho, seqüência, forma, quantidade podem ser estimulados por meio de objetos usados para brincar com animais. São usadas, por exemplo, bolas de diferentes cores e tamanhos, assim como seqüências de atividades para facilitar a condução do cão.

SEM INVASÃO

Muitas vezes, o contato com anima é um recurso usado para o estabelecimento de comunicação com o paciente — e não uma terapia em si, assim como a brincadeira numa sessão de ludoterapia ganha sentidos próprios em função da especificidade da relação terapêutica.

Em algumas situações o anima funciona como elemento intermediário entre terapeuta e paciente, evitando que este se sinta invadido — o que pode acontecer especialmente em quadros clínicos nos quais pessoa está mais fragilizada, fechada no próprio mundo ou sentindo-se ameaçada pelo ambiente. 

Nesse casos, a presença do bicho facilita as intervenções, apropriação da experiências pelos pacientes e pessoas participantes e — seguindo a terminologia de Winnicott — o despertar do gesto espontâneo na busca do verdadeiro self. Como assinala esse autor, “é no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, adulto ou criança, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self)”.

ASSOCIAÇÕES E EMOÇÃO

Resultado de imagem para amor de cãoEspécies diferentes costumam despertar variados sentimentos e atitudes, tais como carinho, empatia, cuidado, identificação, hostilidade e medo. Dentre os diferentes aspectos que podem ser mobilizados alguns podem emergir apenas na relação com o animal, sugerindo que sentimentos difíceis de ser vivenciados no mundo humano encontram possibilidade de manifestar-se n relação com os animais.

A forma como cada um lida com as situações vividas com os animais permite uma comunicação de seu mundo interno, valores e sentimentos, revelando aspectos subjetivos. Há situações em que o animal suscita conteúdos mentais das pessoas, tanto por seu simbolismo e pelo que pode representar como também pelos diferentes comportamentos que levam a associações e a experiências emocionais. 

Em psicoterapia, o contato com bichos pode facilitar a comunicação de conteúdos internos do paciente para psicólogo. O recorte de uma sessão de uma menina que vivia num lar transitório à espera de adoção mostra isso. Em seu primeiro contato com o cão disse à psicóloga que seu avô tinha um cachorro igual, depois parou e emendou: 

“Na verdade, o cachorro é da minha mãe mas está com meu avô”, evidenciando que em sua família de origem pessoas e animais “são de sua mãe” – mas, assim como a garota, são cuidados por outras pessoas.

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